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quinta-feira, 8 de setembro de 2011


Entre atritos e conversa, Dilma e Lula ajustam nova relação

Almoço de Lula com senadores durante a crise de Palocci foi o auge da tensão entre presidenta e ex. Lula chegou a pedir permissão para ir ao sorteio da Copa

A ordem é não deixar transparecer à opinião pública e evitar qualquer tipo de prejuízo à governabilidade. Mas passados mais de oito meses desde o início do novo governo Dilma Rousseff, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva está longe de “desencarnar” do poder, como havia prometido. Transformado em uma espécie de conselheiro supremo de Dilma, Lula dá palpites corriqueiros na administração federal, ajuda a desenhar cuidadosamente a linha de ação da gestão e, principalmente em momentos de crise, já chegou ao ponto de interferir diretamente na condução do governo e assumir a dianteira na tomada de decisões.
Aos poucos, o que começou como uma consulta natural para viabilizar a transição entre as duas administrações se transformou em rotina de trabalho de Dilma. A presidenta conversa pelo menos uma vez por semana com Lula, especificamente para tratar de questões do governo. Pessoalmente, os encontros acontecem no mínimo a cada 15 dias. Em tempos de crise, a frequência é bem maior, dizem petistas com trânsito no Planalto.
Foto: AE
Segundo aliados, presidenta toma iniciativa de consultar antecessor, mas já ficou incomodada em algumas ocasiões

Aliados garantem que, na maioria das vezes, parte de Dilma a iniciativa de consultar Lula. Mas as sucessivas intervenções do ex-presidente já deixaram a presidenta incomodada a ponto de fazer chegar o recado ao antecessor.
Para amenizar o problema, foi criada uma espécie de time de “bombeiros”, que entra em campo toda vez que o ex-presidente avança o sinal e exagera na dose. No Planalto, a tarefa fica a cargo do ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Gilberto Carvalho. Em São Paulo, quem assume a função é o ex-ministro Luiz Dulci, que hoje integra a equipe do instituto criado pelo ex-presidente.
“Sempre que Lula passa da conta, essa equipe logo começa a preparar uma bateria de viagens ao exterior, para tirá-lo de perto. Até porque às vezes ele exagera na dose mesmo”, conta um líder petista que já presenciou conversas entre o ex-presidente e sua sucessora. Outra linha de ação foi deixar Lula mergulhado nos preparativos da eleição em São Paulo, onde o ex-presidente trabalha para emplacar o nome do ministro da Educação, Fernando Haddad.
O auge da dificuldade no relacionamento entre Dilma e Lula ocorreu durante a crise que levou à demissão do então ministro da Casa Civil, Antonio Palocci. Lula desembarcou em Brasília em 24 de maio. Articulou com estardalhaço a permanência do então ministro no cargo e fragilizou ainda mais a posição de Dilma, sobre quem já pesavam as acusações da oposição de ser uma espécie de marionete do ex-presidente.
O problema maior não foi tanto a visita, mas sim o fato de Lula ter se movimentado abertamente em Brasília para tentar manter Palocci no cargo. Como parte do trabalho, o ex-presidente deixou claro para a base aliada que estava lá para atuar como bombeiro da crise e até posou para fotos ao almoçar com senadores do PT na casa do ministro Paulo Bernardo e sua esposa Gleisi Hoffmann, que na época ainda integrava a bancada parlamentar do partido.
“Aquilo foi ao mesmo tempo um grande erro e um divisor de águas. Dilma não gostou da forma como Lula apareceu em Brasília e isso chegou ao ouvido dele, que assimilou o recado”, disse um integrante do primeiro escalão do governo.
Dilma, entretanto, demonstrou o desconforto de maneira sutil. Os únicos convidados que faltaram ao encontro na casa de Gleisi e Bernardo foram Delcídio Amaral (PT-MS) e Walter Pinheiro (PT-BA). Dias depois, a presidenta teceu elogios a ambos.
O almoço em Brasília foi ao mesmo tempo um grande erro e um divisor de águas. Dilma não gostou da forma como Lula apareceu em Brasília e isso chegou ao ouvido dele, que assimilou o recado
Recuo
A tensão provocada pelo episódio Palocci levou Lula a agir de forma bem mais discreta. Nos meses seguintes, suas visitas a Brasília passaram a se dar longe dos holofotes. Foi assim na época em que Dilma ordenou a faxina na Esplanada dos Ministérios, inaugurada pela crise que provocou a demissão do ex-ministro dos Transportes Alfredo Nascimento.
No início, Lula manteve-se distante. Mas no momento em que a faxina começou a se alastrar por outros ministérios, como Agricultura e Turismo, o ex-presidente voltou a procurar Dilma para colocar um freio nas demissões. “Você não pode governar de costas para a sociedade, mas também não pode governar de costas para os partidos”, disse Lula a Dilma, de acordo com um interlocutor.
A conversa com Lula ocorreu na primeira semana de agosto. Na semana seguinte, Dilma comandou uma bateria de encontros com representantes de partidos aliados. No dia 22, a estratégia foi coroada com a declaração de que estava tão satisfeita com o resultado das conversas que passaria a ter encontros “rotineiros” com a base. “O Lula sabe que exagerou no caso do Palocci e tomou muito cuidado para não repetir o erro”, conta um petista próximo ao ex-presidente.
Poucos dias antes do sorteio das chaves da Copa do Mundo de 2014, no Rio de Janeiro, outro caso sensível marcou a relação entre Lula e a presidenta. No dia 30 de julho, Gilberto Carvalho se viu às voltas com outra saia-justa: Lula havia sido convidado pelo presidente da CBF, Ricardo Teixeira, a participar do evento e consultou o ministro sobre a conveniência de comparecer ao sorteio, do qual Dilma também participaria.
“Só vou se a Dilma achar que devo ir”, disse Lula a Carvalho. O ministro deixou claro que era contra a ida do ex-presidente ao evento. A simples presença de Lula seria suficiente para ofuscar todas as demais autoridades presentes. Mesmo assim, Carvalho levou o assunto à presidenta que respondeu com expressão leve e despreocupada: “É claro que ele pode ir. O Lula adora futebol”. O ex-presidente acabou não indo por causa de fortes dores no ouvido provocadas pelo excesso de viagens aéreas.
O sorteio também serviu para marcar as diferenças entre Dilma e Lula no trato à CBF. A presidenta ficou extremamente irritada quando soube que o então ministro da Defesa, Nelson Jobim, determinou a pedido da confederação o fechamento do espaço aéreo do Rio sem consultá-la. Este teria sido um dos motivos que ajudaram a azedar o clima entre Dilma e o ministro, herdado do governo Lula.
Foto: AE
Incomodo no Planalto ficou evidente após Lula posar para fotos em almoço com senadores
Esbarrões
Os esbarrões de Lula em outros integrantes do governo também já mobilizaram auxiliares da presidenta. Algumas semanas após o sorteio da Copa, o deputado Henrique Fontana (PT-RS), relator do projeto de reforma política na Câmara, organizou um evento sobre o tema no Rio de Janeiro com a participação do vice-presidente, Michel Temer (PMDB), políticos e estudiosos.
A reforma política é a principal bandeira de Lula no âmbito interno desde que deixou o governo. O ex-presidente já fez diversas reuniões com acadêmicos, líderes partidários e parlamentares para tratar do assunto. Fontana achou por bem convidar Lula mas, sem querer, causou uma saia-justa.
A participação de Lula em um seminário que também contava com a presença do vice-presidente poderia ser interpretada como interferência indevida. Além disso, havia o temor de que Lula ofuscasse Temer. Carvalho, mais uma vez recorreu a Dilma. Desta vez a própria presidenta viu risco de atrito. A solução encontrada foi cancelar o evento.
Na abertura do 4º Congresso Nacional do PT, organizado em Brasília no último fim de semana, o próprio Lula explicitou aos 1.350 delegados do partido a situação desconfortável em que se encontra. “Acho que pela primeira vez na vida chego aqui e não sei o que falar para vocês. Primeiro porque não posso me meter muito nas coisas do partido porque o presidente (Rui Falcão) já falou. Segundo porque não posso me meter muito nas coisas do governo porque a presidenta vai falar”, disse ele.
Assessores próximos de Lula e Dilma consideram que, apesar dos esbarrões, a relação entre o ex e a presidenta está longe de ser ruim. “É um processo natural de acomodação. Cada um vai percebendo qual é o seu espaço e aprendendo a se movimentar. Isso é inédito no Brasil. Nunca, na democracia, um presidente havia elegido o sucessor”, disse um ministro.

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